Falar sobre Maria Odília Teixeira na Medicina é revisitar uma parte essencial da história da saúde e da luta por igualdade no Brasil. 

Em um país ainda profundamente marcado pela escravidão e pelo racismo, ela rompeu barreiras de gênero, raça e classe para tornar-se a primeira médica negra registrada na história brasileira, formada em 1909 pela tradicional Faculdade de Medicina da Bahia.

Mais do que um nome em livros de história, Maria Odília é símbolo de resistência, representatividade e protagonismo negro em um espaço historicamente reservado a homens brancos das elites. 

Ao conhecer sua trajetória, é possível entender melhor os desafios enfrentados por mulheres negras na educação superior, o impacto de sua atuação profissional e o legado que Maria Odília Teixeira na Medicina ainda deixa para as novas gerações.

Quem foi Maria Odília Teixeira

Origem, família e contexto histórico

Maria Odília Teixeira nasceu em 5 de março de 1884, na cidade de São Félix, no Recôncavo Baiano, região marcada pela economia do açúcar e do fumo e por intensas relações escravocratas até o final do século XIX.

Ela era filha do médico branco José Pereira Teixeira e de Josephina Luiza Palma, mulher negra cuja mãe havia sido escravizada e posteriormente alforriada.

Essa origem a colocava em uma posição singular: ao mesmo tempo em que tinha acesso a determinados recursos educacionais por meio da família, enfrentava o estigma racial e de gênero em um Brasil recém-saído da escravidão – a Lei Áurea tinha pouco mais de 20 anos quando ela se formou.

Aos 13 anos, Maria Odília deixou São Félix e mudou-se para Salvador para estudar no Ginásio da Bahia, um colégio frequentado por jovens das elites masculinas da capital. Lá, formou-se em Ciências e Letras, estudando disciplinas como francês, grego e latim, o que era extremamente raro para uma jovem mulher negra naquela época.

Ingresso na Faculdade de Medicina

Em 1904, Maria Odília ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia (FMB), uma das mais prestigiadas instituições de ensino médico do país. 

Ela contou com o apoio do irmão Joaquim Pereira Teixeira, que atuou como uma espécie de tutor, ajudando-a a se adaptar a um ambiente dominado por homens brancos.

Sua presença ali já era um ato político: em uma turma com 48 estudantes, Maria Odília era a única mulher e a única negra, o que reforça a dimensão do seu pioneirismo.

Em 15 de dezembro de 1909, ela se formou médica, tornando-se a primeira médica negra do Brasil e a sétima mulher a se graduar em Medicina pela instituição, além de ser a primeira mulher diplomada em medicina no século XX naquela faculdade.

A trajetória de Maria Odília Teixeira na Medicina

A tese e a escolha do tema

Para concluir o curso, Maria Odília apresentou a tese intitulada “Algumas considerações acerca da curabilidade e do tratamento das cirroses alcoólicas”, um tema ligado à clínica médica e à hepatologia.

Essa escolha rompeu com o padrão da época, quando as poucas mulheres na medicina costumavam concentrar suas pesquisas em áreas consideradas “femininas”, como ginecologia e pediatria. 

Ao abordar a cirrose alcoólica, Maria Odília enfrentou ao mesmo tempo o preconceito de gênero e o racismo científico que associava doenças como o alcoolismo a supostos “defeitos” de pessoas negras.

Assim, desde sua formação, Maria Odília Teixeira na Medicina já se consolidava como uma profissional que desafiava estereótipos e questionava leituras racistas da ciência.

Início da prática médica

Após a graduação, Maria Odília retornou à região do Recôncavo, especialmente às cidades de Cachoeira e São Félix, onde começou a atuar como médica. 

No início da carreira, muitos atendimentos eram realizados com a supervisão do pai ou de outros médicos homens, reflexo da desconfiança social em relação a uma mulher negra exercer a medicina.

Com o tempo, porém, ela passou a atender de forma autônoma, construindo uma clientela majoritariamente feminina. Essa proximidade com as mulheres, especialmente as mais pobres, fez com que a presença dela tivesse também um forte impacto social, acolhendo pacientes que muitas vezes eram invisibilizadas ou maltratadas pelo sistema de saúde.

A primeira professora negra da Faculdade de Medicina da Bahia

Cinco anos após a formatura, em 1914, Maria Odília foi convidada a retornar à Faculdade de Medicina da Bahia para assumir o cargo de professora de Clínica Obstétrica. 

Com isso, tornou-se também a primeira professora negra da instituição, fato extremamente relevante em um meio acadêmico profundamente elitizado.

A presença de Maria Odília Teixeira na Medicina universitária revelava não apenas sua competência técnica, mas a capacidade de ocupar espaços de poder e influência intelectual em uma sociedade que, em grande parte, ainda não reconhecia mulheres negras como produtoras de conhecimento.

Em 1917, no entanto, ela deixou a docência para cuidar do pai, cuja saúde estava fragilizada. A família mudou-se primeiro para Cachoeira e depois para Irará, no interior da Bahia, em busca de melhores condições para sua recuperação.

Desafios enfrentados por Maria Odília Teixeira na Medicina

Racismo, machismo e elitismo acadêmico

Para entender a profundidade do feito de Maria Odília, é preciso lembrar o contexto: ela estudou e se formou em um Brasil em que as mulheres não podiam votar e em que pessoas negras, principalmente mulheres negras, eram sistematicamente excluídas dos espaços de poder e de formação intelectual.

Na Faculdade de Medicina da Bahia, ela convivia com um ambiente acadêmico masculinizado, elitista e dominado por homens brancos. Sua condição de mulher negra a colocava num lugar de múltipla vulnerabilidade. 

Mesmo contando com o apoio da família, principalmente do pai e dos irmãos, ela não estava isenta de preconceitos, olhares de desconfiança e barreiras simbólicas que tentavam limitar seu avanço.

O impacto de Maria Odília Teixeira na Medicina brasileira

Representatividade e referência para mulheres negras

O principal impacto de Maria Odília Teixeira na Medicina é simbólico e estrutural ao mesmo tempo: ela se tornou um marco de representatividade em um campo em que até hoje as pessoas negras são minoria. 

Em um país em que a maioria da população é negra, mas a maioria dos médicos ainda é branca, a trajetória de Maria Odília segue como referência e inspiração.

Sua história demonstra que mulheres negras sempre estiveram presentes na produção de conhecimento, no cuidado em saúde e na vida acadêmica, mesmo quando os registros oficiais tentavam silenciá-las.

A vida e a obra de Maria Odília Teixeira na Medicina representam um marco de coragem e pioneirismo em um cenário fortemente excludente. Mulher, negra, baiana do Recôncavo, ela desafiou os limites impostos por uma sociedade racista e patriarcal, formou-se médica em 1909, tornou-se professora da Faculdade de Medicina da Bahia e abriu caminho para que outras mulheres negras pudessem sonhar – e realizar – uma carreira na área da saúde.

Seu legado ultrapassa o registro biográfico. Ele toca o modo como pensamos a medicina, a educação e a justiça social no Brasil. Ao resgatar e divulgar sua história, contribuímos para reparar apagamentos históricos e inspirar novas gerações de estudantes que, assim como Maria Odília, desejam transformar realidades por meio da medicina.