Fibrose cística: entenda esta doença multissistêmica
A fibrose cística é uma doença genética que afeta principalmente os pulmões e o sistema digestivo. Caracterizada pela produção de muco espesso e pegajoso, essa condição pode dificultar a respiração e levar a infecções pulmonares recorrentes. Para aprofundar o conhecimento sobre essa condição, a Dra. Alana Nelli, médica pneumologista e professora do curso de Medicina da Unex Centro Universitário de Excelência de Feira de Santana, traz as principais características sobre essa doença, que é pouco conhecida pela população brasileira.
A FC é uma doença que acontece por conta de um gene defeituoso, juntamente com a proteína produzida por ele, que fazem com que o corpo produza muco de 30 a 60 vezes mais espesso que o usual. Este muco leva ao acúmulo de bactéria e germes nas vias respiratórias, podendo causar inchaço, inflamações e infecções como pneumonia e bronquite. “Esse muco pode bloquear o trato digestivo e o pâncreas, o que impede que enzimas digestivas cheguem ao intestino. A Fibrose Cística é uma doença multissistêmica, muito mais frequente em populações descendentes de caucasianos, com redução significativa da expectativa de vida dos pacientes”, comenta a Dra. Alana.
Conhecida como Beijo Salgado, a doença é caracterizada pela produção de suor com alta concentração de sal e, por conta disso, o apelido dado. Esta é uma das principais características causadas pelas alterações de uma proteína mediadora dos canais do cloro, das glândulas do corpo. As alterações podem ser diagnosticadas através do teste do pezinho com dosagem do tripsinogênio imunorreativo ou com a realização do teste do suor frente à suspeita clínica ou duas dosagens elevadas do tripsinogênio. O teste do suor é considerado positivo quando a dosagem de cloro é maior que 60 mmol/L e negativo, quando menor que 30 mmol/L. Resultados do teste do suor entre 30 e 59 mmol/L são considerados inconclusivos e requerem encaminhamento para um centro de referência especializado, para testes adicionais (genéticos, por exemplo). O teste genético para a identificação das variantes no gene Cystic Fibrosis Transmembrane Conductance Regulator – CFTR é preconizado para todos os pacientes com diagnóstico de FC (teste do suor positivo ou indeterminado)
Além do suor salgado, os pacientes acometidos pela Fibrose Cística sofrem com sintomas diversos. Os sinais e sintomas mais frequentes são o retardo do crescimento ou desnutrição energético-proteica, tosse persistente, pneumonia e/ou bronquite recorrente, pólipos nasais, além de sinusite crônica e infecção/colonização pulmonar por bactérias típicas de fibrose cística (Pseudomonas aeruginosa). Diarreia crônica com esteatorreia (fezes extremamente fétidas, pálidas e gordurosas), cristais de sal visíveis na testa, obstrução intestinal, doença do refluxo gastroesofágico, desidratação hiponatrêmica inexplicável, inchaço de membros inferiores, anemia inexplicável, icterícia neonatal precoce persistente, prolapso retal, dentre outras.
Algo muito perceptível em pacientes com Fibrose Cística é a associação da doença com outras que envolvem o pâncreas, principalmente. Segundo a Dra. Alana, as enzimas pancreáticas são indicadas com o objetivo de aumentar a absorção de gordura e demais nutrientes, reduzir a frequência de evacuações, melhorar a consistência das fezes e favorecer ganho ponderal desses pacientes. “Os componentes básicos dos suplementos pancreáticos incluem as enzimas digestivas lipase, amilase e protease, sendo que a pancreatina é o único suplemento disponível no Brasil”.
Tratamento
O tratamento da FC é complexo. Após o diagnóstico, o acompanhamento acontece com uma equipe multidisciplinar. A fisioterapia respiratória tem papel significativo no tratamento com atuação preponderante e de caráter abrangente e contínuo, desde o nascimento até a fase adulta dos indivíduos acometidos. O tratamento diário da doença pulmonar deve incluir sempre nebulizações, quer seja de solução salina isotônica, hipertônica ou de medicamentos, com nebulizadores a jato que produzam partículas de até 3 micras. A utilização é geralmente segura e bem tolerada, mas deve ser precedida pela inalação de broncodilatadores, já que pode causar broncoespasmo. É complementar ao tratamento com alfadornase, exceto para crianças que ainda não iniciaram seu uso.
“Aconselha-se fisioterapia respiratória após a nebulização, para otimização de clareamento das secreções pulmonares. A alfadornase é utilizada pela via inalatória com o objetivo de reduzir a viscosidade do muco das vias, facilitando a expectoração e contribuindo para a desobstrução das vias aéreas. O tratamento também contém a ingestão de enzimas digestivas para a alimentação, suplementação vitamínica (A, D, E, K) e suporte nutricional”, informa Nelli.
Recentemente, a terapia tripla elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor recebeu recomendação favorável da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde – Conitec. Entre os benefícios do tratamento estão a melhora da função pulmonar e do estado nutricional, com consequente redução das internações hospitalares e retirada do paciente da fila de transplantes. As crianças devem receber as vacinas habituais e imunização anti-pneumocócica e anti-hemófilos.
Todo o tratamento deve ter acompanhamento médico e especializado e varia de acordo com a gravidade da doença e com a forma como ela se manifesta. Porém, a maioria dos tratamentos é projetada para tratar problemas digestivos e para limpeza dos pulmões.
A complexidade da Fibrose Cística e as peculiaridades do seu tratamento resultam na necessidade de centros de tratamento especializados. O cenário da FC no país e no mundo, vem sofrendo mudanças drásticas decorrentes da incorporação de novas tecnologias para o diagnóstico e tratamento da doença. Nesse contexto, a expectativa de vida dos pacientes vem aumentando significativamente, o que trará a necessidade de mudanças na atuação dos profissionais de saúde e de incorporação de novos recursos terapêuticos.