Homenagem a Ariano Suassuna marcou final da Semana do Júri da Unex
Juiz de Jequié presidiu julgamento de Chicó e João Grilo, personagens do escritor

Um dos acontecimentos mais importantes do calendário acadêmico da disciplina de Prática Jurídica Penal do curso de Direito da Unex, a final do Torneio Acadêmico de Júri Simulado, presidido pelo juiz Rafael Barbosa Cunha, aconteceu nesta segunda-feira (19), das 14h às 18h, no Fórum Bertino Passos, em Jequié.
As semifinais, realizadas nos dias 13 e 15 de maio, abordaram temas do Direito Penal, como o Feminicídio, assassinato de mulheres em razão do gênero, caracterizado por motivações discriminatórias, relacionamentos abusivos e violência de gênero, e o Narcocídio, homicídio relacionado direta ou indiretamente ao tráfico de drogas, identificado por marcar a intersecção entre criminalidade organizada e letalidade social.
Bahia lidera feminicídio, narcocídio e homicídio, crimes simulados no torneio
Tráfico de drogas, homicídio e violência contra a mulher tiveram um aumento alarmante no estado. Segundo o Atlas da Violência, entre 2013 e 2023, das 48 mil mulheres assassinadas no Brasil, 4.722 estavam na Bahia. O estado liderou o ranking nacional, com 1781 casos registrados no período.
Inspirados em casos reais da comarca de Jequié, as simulações dos crimes de feminicídio e narcocídio, coordenadas pelos professores Antônio Fernandes e Miguel Bomfim, com a participação de alunos e egressos representando a defesa, o Ministério Público, a juíza, o réu e os jurados, lotaram o Salão do Júri da Faculdade de Direito da Unex Jequié.

Realizado pelo segundo ano consecutivo, o projeto aproximou ainda mais os alunos da prática forense e das dinâmicas do Tribunal do Júri. A participação especial de dois ex-discentes da Unex Jequié, Vander Ribeirão, que atuou como réu, e Luma Barros, que atuou como juíza do caso de narcocídio, reforçou o compromisso da instituição em manter viva a ligação entre seus egressos e as práticas acadêmicas.
Os finalistas travaram um duelo de argumentos e técnica jurídica com os professores Antônio Fernandes (Direito Penal) e Miguel Bomfim (Processo Penal). O desempenho dos alunos demonstrou o preparo e a dedicação dos acadêmicos envolvidos. O embate lotou o salão de Júri da faculdade de Direito, localizado na Avenida César Borges e foi, sem dúvida, um dos momentos mais marcantes da fase semifinal do torneio.
O “Tribunal das Almas” do Auto da Compadecida de Ariano Suassuna
A cena do “Tribunal das Almas”, escrita pelo pernambucano Suassuna, foi a escolhida para representar a final do Torneio do Júri da Unex Jequié. O clássico ‘O Auto da Compadecida’, transformado em filme por Guel Arraes, conta a história de João Grilo e Chicó, moradores do sertão nordestino.
Personagens principais que vivem em Taperoá, uma cidade fictícia do sertão brasileiro, João Grilo e Chicó são conhecidos por sua astúcia, capacidade de enganar e, ao mesmo tempo, por sua coragem e esperança. Para fugirem da fome e da pobreza, os amigos usam da esperteza e aplicam golpes no povoado. Durante a trama, surgem outros personagens como o padeiro e sua esposa, o padre, o bispo, o cangaceiro e o seu bando.
Na ficção idealizada por Suassuna, o céu se transforma no Salão do Júri. O julgamento tem apenas a presença de Jesus, o juiz, o magistrado. Ele ouve a alegação das partes – Nossa Senhora da Compadecida e o Diabo – e soluciona o conflito à luz da defesa representada por sua mãe Imaculada.
Simbolizando a figura do representante do Ministério Público, o diabo exerce a função do acusador, promotoria, parte responsável pela lei para oferecer acusação (denúncia) contra um indivíduo suspeito de contrariar a lei em um julgamento criminal.
O julgamento dos personagens Chicó e João Grilo sob a ótica jurídica

A apuração dessa obra literária sob uma ótica jurídica funciona como uma metáfora e objetiva facilitar o entendimento, a assimilação do conteúdo acadêmico e a sua aplicabilidade no dia a dia. De acordo com o professor Miguel Bonfim, as equipes classificadas nas semifinais assumiram os papéis de acusação e defesa, num exercício que uniu Literatura, Cultura Popular, Direito e promoveu uma reflexão crítica sobre justiça, moral e religiosidade. “Mais do que uma simulação, o Tribunal do Júri é uma vivência transformadora no processo de formação jurídica dos nossos estudantes. Fortalece a retórica, a ética e forma juristas mais preparados para os desafios da advocacia e da magistratura”, ensina.
Diferenças entre o julgamento da obra de Suassuna e o júri simulado

O julgamento na obra de Ariano Suassuna termina com a intervenção da Compadecida, que consegue a absolvição de João Grilo e Chicó. Jesus, portanto, não os condena ao inferno, e permite que continuem vivos e voltem a morar em Taperoá.
No julgamento simulado apresentado pelos alunos do curso de Direito da Unex Jequié, Chicó e João Grilo também foram absolvidos pela maioria dos jurados presentes na sala secreta, que escolheram a palavra “não” para responder à pergunta do juiz: “Chico e João Grilo mataram Severino?”.
Apesar de muitas semelhanças com um tribunal real, quem julga no Tribunal do Júri do Auto da Compadecida é Jesus, que representa a Justiça Divina, e não os jurados. Para o juiz Rafael Barbosa Cunha, que presidiu a final do torneio de Júri do curso de Direito da Unex, a experiência foi semelhante à sua luta diária no Fórum Bertino Passos. “Toda a ritualística do Tribunal do Júri – a defesa, a acusação, a oitiva das testemunhas, o interrogatório do réu, os debates, a votação na sala secreta – foi respeitada e representada com maestria pelos alunos, sob orientação do professor Miguel, que conduziu brilhantemente a final do Torneio Acadêmico de Júri Simulado”, enalteceu.